7.9.10

Talvez amanhã

Não era a primeira vez que nela reparava. Pensando bem, nas últimas semanas, dava por mim ansioso para apanhar a carreira 15. Sabia que duas paragens à frente ela entraria. Normalmente vestida de uma forma executiva, saia e casaco, apesar do calor que se faz sentir, o que me leva a pensar que seja advogada, bancária, administrativa, ou outra coisa qualquer que, não interessando para nada, rapidamente afasto do pensamento. Tem o cabelo longo, liso, tocando com as pontas nos ombros que tapa o rosto quando se senta, havendo lugar. Esforcei-me ao longo das semanas para ir ganhando lugares a meio do autocarro, contrariando aquele hábito de que quando vazio o autocarro ir para o fundo, talvez como se isso permitisse estar mais tempo longe de um trabalho que odeio, e percebi que era uma mulher de hábitos, sempre que entrava sorria brevemente para o habitual motorista e sendo um sorriso de cumprimento e circunstância, não deixava de ser lindo, mostrando os dentes brancos e perfeitamente alinhados, a sua cara estreita e com o queixo bem delineado, tem uns lábios finos, reluzentes de bem hidratados ou fruto do batom, com olhos de um cinzento água que hipnotiza quem para eles olha directamente. Senta-se sempre numa das três primeiras filas depois de guardar o passe num bolso da sua carteira. Isso permitiu ver, num dos dias, que tinha uma foto de uma criança, não sei se menino ou menina, presumi que seja casada, mas nos longos dedos que terminam numas unhas sempre bem cuidadas, não vi aliança, apenas um anel, antigo pelo aspecto, talvez uma jóia de família… talvez seja divorciada, ou a criança um sobrinho ou afilhado… talvez. Pensava isto tudo em apenas duas paragens, tinha decidido que, aproveitando a viagem de cerca de vinte e cinco minutos, já que ela saia apenas uma antes de mim, teria que arranjar forma de conversar com ela. Ela ainda não tinha reparado em mim, conforme eu ia avançando, com coragem crescente, nas filas do autocarro nos dias e semanas que passaram. Era o meu momento do dia, só meu, em que eu me sentia bem com os meus pensamentos, idealizando como seria ela. Hoje vou sentado na terceira fila do lado direito, junto à janela… talvez ela repare em mim enquanto aguarda na fila para entrar, até porque tinha decidido cumprimentá-la pela primeira vez. Com o dobrar da esquina o meu coração acelera enquanto o autocarro abranda para parar, estão três pessoas na paragem e nenhuma delas é ela, que aconteceu? Dei por mim a pedir para que a velha gorda não conseguisse subir rapidamente os degraus, dando tempo para que ela chegasse caso estivesse atrasada, mas a velha parecia um acelerador de partículas e já estava a sentar-se ao meu lado quando o meu olhar e pensamento regressou para dentro do autocarro, o motorista fechou a porta e arrancou, naquele momento via-a dobrar a esquina em passo acelerado e ainda esboçou o gesto de levantar o braço como que a chamar a atenção do motorista. Pela primeira vez perdeu o autocarro e tinha que ser logo hoje, olhei para o lado e sorri para a forte atleta que estava sentada ao meu lado, recordando os pensamentos de há momentos… talvez amanhã.

1.9.10

Da minha janela

Dia após dia perscruto daquela janela na ansiedade de te ver passar… mas não passas, não te vejo, não aqueço o meu corpo com o teu sorriso. Cada dia que não te vejo, ardo de preocupação com o que terá acontecido, para não passares na minha janela àquela hora. Terás ido hoje por outro caminho… quem sabe. Esperarei todos os dias há mesma hora, mas quem sabe se o caminho que escolheste já passa debaixo de outra janela… Não sei