O mundo anda cada vez mais
estranho. Não é que dou por mim a ver uma boa dezena de homens e mulheres
crescidos, de costas e sentados nas suas secretárias no parlamento europeu
enquanto se tocava o hino? De início pensei que estava a ver o meu colega
Manuel, na primeira classe. A professora, cujo nome não me recordo (não deve
ter sido grande peça, ou estou pior do que pensava da minha memória) gostava de
fazer experiências com ele. Ora experimentava uma parede, ora outra, mas ele
ficava sempre de costas de cada vez que não sabia alguma coisa. Desconfio
também que as perguntas logo no início das aulas ao Manuel, eram uma maneira
que a professora encontrou para se livrar da maçada de o ensinar. Mas quando vi
aquilo, juro que pensei que o tipo tinha chegado ao parlamento europeu, e mais,
tinha conseguido arregimentar mais uns quantos para uma seita dele. Está
provado, segundo uns profilers de umas séries televisivas, que todos os meninos
e meninas que ficaram virados para paredes em pequeninos se tornariam perigosos
antieuropeístas ou, ainda pior, perigosos nacionalistas. Daqueles da pior
espécie. Que se candidatam a um lugar, que sabem bem remunerado – qualquer
coisa entre os quinze e os vinte mil euros mês – através de uma campanha
eleitoral que custou uma enormidade de dinheiro e que depois de instalados o
melhor é virar costas ao trabalho, não vá alguém memorizar a cara deles e
dar-lhe que fazer. Depois é só arranjar um subsídio de habitação e transporte e
ir passar o fim de semana a casa com a mulher ou com os amigos. Afinal não era
o Manuel, esse a professora humilhava chamando-o de burro, variando com o
idiota de vez em quando. Estes são mesmo uns espertalhões de fato e gravata,
que se mostram contra uma europa, um espaço europeu, as instituições europeias
e depois fazem tudo para delas fazerem parte. Perante o resultado que alguns
obtiveram, como a família Le Pen em França, depois de reclamados os louros da
vitórias e de os analistas tentarem perceber o que aconteceu, o pai Pen veio
publicamente dizer à filha Pen, para ter calma que ainda era ele que mandava,
enquanto ela desejava, baixinho, que alguém servisse ao pai um chá quente e uma
corrente de ar… é que isto dos nacionalista é malta muito amiga uns dos outros
até chegar a noite das facas longas. Desconfio que a minha professora do
primeiro ano chamaria burros a alguns dos eleitores europeus.
Mas a verdade é que eu
passei ao lado de uma grande carreira de jogador da seleção nacional de
futebol. É que pelos vistos não é preciso saber jogar futebol, nem ser titular,
nem estar em forma, e estar meio perneta. E eu reúno todos esses requisitos
desde pequenino. O Manuel, meu colega da primária, era um excelente jogador e
selecionador. Era ele que selecionava os colegas da turma que iam enfrentar no
intervalo a perigosa equipa adversária da turma um. Eu era daqueles que só era
escolhido quando havia falta de jogadores e, em jogos mais importantes preferia
jogar só com dez (acho que deve ter ensinado umas coisas ao Jorge Jesus) do que
eu andar ali a estorvar. Mais crescido, e depois de recuperar desse trauma de
infância, tentei uma carreira nos juniores e, por algum motivo que desconheço
(acho que não apareceram mais no treino de captação) fui escolhido. Defesa
central disse o mister e eu achei que era uma fera. No final do primeiro treino
a que o meu pai foi assistir, enquanto regressávamos a casa disse-me com a sua
calma: “filho, acho que é melhor dedicares-te a outro desporto antes que te
aleijes ou aleijes alguém”, conselho que prontamente aceitei trocando o futebol
pelo basquetebol com muito mais sucesso. Até hoje pensei que tinha sido a mais
acertada decisão, mas ao ver a seleção nacional percebi que tinha tudo para
tirar o lugar ao Pepe, atirar-me para o chão, errar as marcações como o Miguel
Veloso ou fingir que corria como o Hugo Almeida.
Acho que o Manuel e eu
passamos ao lado de duas brilhantes carreiras. Ele no parlamento europeu e eu
na seleção nacional.* Crónica no Expresso de Felgueiras
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