10.7.14

Duas carreiras que se perderam

O mundo anda cada vez mais estranho. Não é que dou por mim a ver uma boa dezena de homens e mulheres crescidos, de costas e sentados nas suas secretárias no parlamento europeu enquanto se tocava o hino? De início pensei que estava a ver o meu colega Manuel, na primeira classe. A professora, cujo nome não me recordo (não deve ter sido grande peça, ou estou pior do que pensava da minha memória) gostava de fazer experiências com ele. Ora experimentava uma parede, ora outra, mas ele ficava sempre de costas de cada vez que não sabia alguma coisa. Desconfio também que as perguntas logo no início das aulas ao Manuel, eram uma maneira que a professora encontrou para se livrar da maçada de o ensinar. Mas quando vi aquilo, juro que pensei que o tipo tinha chegado ao parlamento europeu, e mais, tinha conseguido arregimentar mais uns quantos para uma seita dele. Está provado, segundo uns profilers de umas séries televisivas, que todos os meninos e meninas que ficaram virados para paredes em pequeninos se tornariam perigosos antieuropeístas ou, ainda pior, perigosos nacionalistas. Daqueles da pior espécie. Que se candidatam a um lugar, que sabem bem remunerado – qualquer coisa entre os quinze e os vinte mil euros mês – através de uma campanha eleitoral que custou uma enormidade de dinheiro e que depois de instalados o melhor é virar costas ao trabalho, não vá alguém memorizar a cara deles e dar-lhe que fazer. Depois é só arranjar um subsídio de habitação e transporte e ir passar o fim de semana a casa com a mulher ou com os amigos. Afinal não era o Manuel, esse a professora humilhava chamando-o de burro, variando com o idiota de vez em quando. Estes são mesmo uns espertalhões de fato e gravata, que se mostram contra uma europa, um espaço europeu, as instituições europeias e depois fazem tudo para delas fazerem parte. Perante o resultado que alguns obtiveram, como a família Le Pen em França, depois de reclamados os louros da vitórias e de os analistas tentarem perceber o que aconteceu, o pai Pen veio publicamente dizer à filha Pen, para ter calma que ainda era ele que mandava, enquanto ela desejava, baixinho, que alguém servisse ao pai um chá quente e uma corrente de ar… é que isto dos nacionalista é malta muito amiga uns dos outros até chegar a noite das facas longas. Desconfio que a minha professora do primeiro ano chamaria burros a alguns dos eleitores europeus.
Mas a verdade é que eu passei ao lado de uma grande carreira de jogador da seleção nacional de futebol. É que pelos vistos não é preciso saber jogar futebol, nem ser titular, nem estar em forma, e estar meio perneta. E eu reúno todos esses requisitos desde pequenino. O Manuel, meu colega da primária, era um excelente jogador e selecionador. Era ele que selecionava os colegas da turma que iam enfrentar no intervalo a perigosa equipa adversária da turma um. Eu era daqueles que só era escolhido quando havia falta de jogadores e, em jogos mais importantes preferia jogar só com dez (acho que deve ter ensinado umas coisas ao Jorge Jesus) do que eu andar ali a estorvar. Mais crescido, e depois de recuperar desse trauma de infância, tentei uma carreira nos juniores e, por algum motivo que desconheço (acho que não apareceram mais no treino de captação) fui escolhido. Defesa central disse o mister e eu achei que era uma fera. No final do primeiro treino a que o meu pai foi assistir, enquanto regressávamos a casa disse-me com a sua calma: “filho, acho que é melhor dedicares-te a outro desporto antes que te aleijes ou aleijes alguém”, conselho que prontamente aceitei trocando o futebol pelo basquetebol com muito mais sucesso. Até hoje pensei que tinha sido a mais acertada decisão, mas ao ver a seleção nacional percebi que tinha tudo para tirar o lugar ao Pepe, atirar-me para o chão, errar as marcações como o Miguel Veloso ou fingir que corria como o Hugo Almeida.
Acho que o Manuel e eu passamos ao lado de duas brilhantes carreiras. Ele no parlamento europeu e eu na seleção nacional.
* Crónica no Expresso de Felgueiras

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